17/03/2011

Resenha: Mentes Perigosas

Autoajuda travestida de ciência para leigos


Após ler Mentes Perigosas, tive uma sensação de que algo não se encaixava no discurso da autora, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva. O livro não me passou credibilidade técnica, assemelhando-se mais a uma conversa de bar, na qual uma amiga psiquiatra (a autora) aconselha informalmente alguém curioso ou com problemas pessoais (o leitor). Pensei: “Como um livro tão vazio de conteúdo pode estar fazendo sucesso?” E, de imediato, veio-me a (óbvia) resposta: “Ora, foi justamente esse tom de autoajuda – descompromissado e amistoso, mas com um verniz supostamente científico - que conquistou as pessoas.”

Se o subtítulo fosse trocado de O psicopata mora ao lado para Aprenda a reconhecer um psicopata para proteger-se, exprimiria com exatidão aquilo que o livro pretende transmitir. Mas a “aula”, como dito, não traz elementos técnicos mais profundos para embasar as opiniões da autora. Ela inicia o texto discorrendo sobre “consciência”, diferenciando o “estar consciente” (a capacidade de manter a mente em estado de vigília) do “ser consciente” (em linhas gerais, a capacidade de amar o próximo). O psicopata, detentor de uma mente incapaz de “ser consciente”, seria um “parasita social”, um “vampiro” pronto a sugar toda a energia de suas vítimas para explorá-las egoisticamente. Foi dessa abordagem que decorreu a sensação que mencionei no início do primeiro parágrafo. Condenar, categoricamente, alguém por agir conforme sua natureza não seria um paradoxo? Não seria mais profissional uma análise serena e profunda da questão, com posteriores sugestões de como equacioná-la?

Alguns críticos de Ana Beatriz indicam duas outras obras como alternativas supostamente melhores: Serial killer: louco ou cruel?, de Ilana Casoy, e Meu vizinho é um psicopata, de Martha Stout. Ainda não posso tecer comentários sobre essas obras, pois não as li.

A Ediouro, que publicou a primeira, promete um texto embasado por rigorosa pesquisa e totalmente isento de julgamentos, qualidades que faltaram em Mentes Perigosas. Ana Beatriz, além de soar raivosa e acusatória em diversos trechos de seu livro, não trabalhou mais profundamente os casos, limitando-se a expô-los e a rotular seus protagonistas. O livro de Ilana me desperta curiosidade, pois seu subtítulo traz a indagação que mais me incomoda como leigo: seriam os psicopatas loucos, cruéis ou ambos? A incapacidade de “ser consciente” os torna sempre perniciosos à sociedade ou existem casos em que a falta de emoções não se traduz em perversidade? Penso que das respostas sairia a melhor forma de lidar com essas pessoas.

A sinopse do livro de Martha Stout, publicado pela Sextante, não me motivou. Ela anuncia “13 regras para se defender da ameaça”, o que lançou um forte odor de autoajuda no ar. Mas, como abomino prejulgamentos, pretendo lê-lo antes de fazer qualquer crítica.

Para finalizar, concluo o seguinte: satisfeitos com o lado “amigão” de Mentes Perigosas, os leitores parecem ter abstraído tudo o que ele tem de ruim. Talvez seja o mesmo fenômeno que faz a “literatura” de Paulo Coelho vender tanto. Encantados com a “profundidade espiritual” do mago, seus fãs relevam seu português ruim, suas tramas mal urdidas, suas compilações toscas da sabedoria oriental e sua incapacidade de dar verossimilhança às narrativas (meu cérebro passou por maus bocados enquanto eu lia O Demônio e a Srta. Prym). Podem me chamar de preconceituoso, mas desconfio de superstars. Psiquiatras superstars, escritores superstars, cientistas superstars etc. me passam a impressão de pessoas realmente muito hábeis, mas apenas na arte do marketing e da sedução.

4 comentários:

  1. Sergio, ainda não li este livro, mas tenho interesse em lê-lo. Sobre psicopatas não custa saber um pouco mais. eles sempre moram ao lado!

    ResponderExcluir
  2. Adorei a sua resenha e gostei das dicas, esse da Ilana também me interessou bastante...
    Quanto a sua crítica, concordo plenamente! A autora parece não conhecer a palavra "imparcialidade", parece que durante todo o texto apenas relata o quanto perverso um psicopata pode ser, o que é revoltante. Em nenhum momento ela mostra algum embasamento científico que, por mais que o livro seja direcionado ao público leigo, se faz necessário. É exatamente como uma conversa tosca e sem profundidade.
    Sobre a parte em que você falou da falta de sentimentos, eu posso afirmar com certeza: recentemente comecei a consultar com uma psicóloga e uma psiquiatra e confirmei uma suspeita com um diagnóstico, eu sou psicopata. No entanto, cresci em um ótimo ambiente familiar, basicamente foi o que me ajudou a me "encaixar" melhor na sociedade, de uma certa forma. Mas e os psicopatas que não tiveram essa sorte? É um assunto muito delicado para que uma psiquiatra venha com um livrinho e só diga que todos nós somos os caras maus que queremos sugar nossas vítimas, as pessoas de bem, como vampiros.
    Detestei esse livro.

    www.garotapsicopata.com

    ResponderExcluir
  3. Sergio,
    Acabo de ler e comentar a sua resenha,no Skoob,sobre o "Mentes Perigosas". Achei-a perfeita, inclusive nas considerações que você faz acerca dos escritores atrelados ao Marketing, como Paulo Coelho e a autora do presente livro, por exemplo.
    Terminei de ler o livro ontem e lamentei os dez reais que paguei por ele.
    Cordialmente,
    Nilton Maia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Nilton. Obrigado por deixar suas impressões. Fico feliz em ter companhia na desconstrução desse livro nada sério. Abraços!

      Excluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
abcs